Thursday 18 August 2011

Zara, trabalho escravo e alguns pensamentos soltos

Eu quero escrever com tempo sobre isso. E, principalmente, algo com começo, meio e fim. Porque aqui já são quase 4 da manhã, o sol da meia noite já foi dormir e já apareceu novamente, só vai sair coisa estranha desse teclado. Mas pode deixar, caro amigo leitor (meu sono me coloca numa vibe locutora de rádio brega), que assim que eu puder, vai sair o texto "sério'.

Quem é frequentador assíduo sabe que esse é um dos assuntos que eu mais curto escrever a respeito. Na verdade, um dos textos que eu escrevi para o application do meu mestrado era exatamente sobre isso. Não sobre o trabalho escravo em si, mas sobre como uma fast fashion não pode ser ecologicamente correta, mesmo que ela tente vender essa idéia (*cof*, H&M...). E que ela não pode existir num meio que respeite qualquer tipo de proteção, seja ela do meio-ambiente, dos animais, dos seres humanos. A conta simplesmente não fecha.

E eu também escrevi sobre o "boicote" à Arezzo. Aquela, a que lançou uma coleção com pele verdadeira. Ninguém se lembra mais, acho eu. Pois é. Por isso mesmo, nem vou entrar de novo no mérito dos tuiteiros de plantão que *adouram* um furdunço pra se posar de politicamente corretos. Mas, cada um com seu cada um. Eu, como Ana Carolina temente à Deus, sei que respondo a ele. E, mesmo tirando Deus da equação, eu sou coerente no meu colóquio - aliás, *coerência no discurso* é a chave do negócio... Somos todos responsáveis por nossos atos diários, começando pelo livre-arbítrio de abrir ou não abrir os olhos de manhã quando o despertador toca. Cada minúsculo ato, por mais imperceptível, tem o seu "efeito borboleta". Afeta alguém. Então, eu com o meu, você com o seu, e todo mundo respondendo pelas atitudes impensadas. Não é só pra época eleitoral que esse jargão vale.

Continuo comprando na H&M - teria como não fazê-lo, ainda mais em terras suecas? -, continuo comprando na Zara. E na Primark, na Topshop, como também num ocasional Alexander Wang, Opening Ceremony ou Marc Jacobs. Porque, né, eles também praticam atos abomináveis. Todos no mundo da moda praticam; acho ingênuo quem pensa que não. Aliás, todos no mundo praticam, inclusive eu e você. Seja a multa não paga esperando um indulto, a propina passada ao policial pra liberar o carro parado em local irregular. O dinheiro pro flanelinha. Passar na fila porque você tá com sua mãe que tem mais de 60 mas que tem saúde, corpo e mente de quem tem 40. E por aí vamos...

Mas eu não quero me alongar em política. Ou em Brasil. Quero mesmo é falar sobre o episódio, sobre tantos episódios que eu já vi desde que me mudei pra cá, e também sobre tanta gente corajosa que resolveu falar a respeito. Porque o que mais me impressionou sobre esse episódio, ao contrário do da Arezzo, foi que ninguém falou nada. NA-DA. Necas. Zero. Silêncio completo e absoluto. Ninguém deu sua opinião própria. A única que vi - e me corrijam se estiver errada - foi a Jojo. Até joguei no Google. Nem Vogue, nem Ela (o caderno do Globo sobre moda), nem Elle, nem o bloguinho da tia maricotinha.

Sei lá, vai ver foi no Twitter. E só. Mas me impressionou a passividade. Acho que doeu mais profundamente porque Zara é Zara. To-do-mun-dow compra na Zara. Ela é a opção da tia quatrocentona milhonária à adolescente que mora no sub-subúrbio do subúrbio e poupa pra comprar um vestidinho no final do mês. É a única fast fashion que pode ser assim chamada no Brasil (não sei como andam Renners e outras, mas na época que saí do Brasil, elas eram o equivalente a fondant em bolo de casamento - conteúdo mesmo nada, só enfeite). E mesmo assim, ô fast fashion caro. De acordo com meus cálculos, de 40 a 70% mais cara que na fonte, nas terras de Cervantes.

E aí eu acho que bateu no coração. O pensamento antigo de "eu não terei Arezzo mas terei Schutz" não vale mais. Eu não terei Zara mas..... ops? É difícil tomar essa decisão de boicotar uma empresa que é tão parte desse fenômeno blogosférico. E do fenômeno da percepção da moda no Brasil.

Moda, até ontem, era coisa de costureira. Dava dinheiro não... Aliás, ainda não dá (praquelas meninas que acham que glamour = dinheiro já saberem que o "não necessariamente" se aplica aqui mais do que em outras áreas!). Mas era relegado a segundo plano. Nem faculdade de moda existia, gente. Quem queria fazer roupa, que comprasse uma Singer e boa sorte. Aliás, pra muita gente hoje ainda é assim.

E chegamos a isso. Todos calados porque a Zara era o ídolo, o bastião. Perdeu-se o ídolo, perdeu-se o rumo? Acho que não. Na verdade, penso que ídolos são substituídos com o tempo não porque eles, um grande dia, pecam. Nós é que crescemos mais que eles; o famoso *outgrow* inglês que encaixa tão perfeitamente aqui. A gente vê que eles também erram. E aí aquela aura de perfeição cai por terra.

O que a Zara fez pelo Brasil foi grande. Abriu portas e olhares. Nós agora somos grandes consumidores não somente de logomarcas, mas também de tendências. As pessoas em geral estão ficando mais trend-aware. E eu bato palmas e agradeço ao seu Amâncio Ortega por isso. Sem ele e sem seu conglomerado, a gente talvez não estaria onde está. Mas é. Quebrou o encanto. E eu não sei se, como todas as coisas que acontecem no Brasil, vai pro esquecimento. Mas o que achei legal desse episódio todo é como, cada vez mais, estamos vivenciando problemas de primeiro mundo. Discutir de onde vem nossos produtos, estabelecer que depende de cada um tomar suas próprias decisões e arcar com as consequências delas. Mesmo que ainda sejamos parte de um país onde a impunidade reina, a perspectiva é que a tal "faixa" pra se cruzar pro mundo desenvolvido tá cada vez mais próxima.

Mundo da moda brasileiro "adolescente" aprendendo que seus pais também são humanos. Acho que essa era a frase que eu procurava pra definir a nossa situação. Pois bem, tá aí. Meu único pedido é que a gente não eleja um bezerro de ouro como próximo ídolo e sigamos em frente. Porque errar é humano, mas insistir no erro é burrice.

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