Talvez não seja o que vocês estejam pensando... não mudei de rumo - apesar do constante sumiço daqui do blog. Na verdade, posso dizer até o oposto. Definitivamente descobri depois de hoje que, de artista, sou uma ótima economista.
Me explico: às segundas à tarde, mais precisamente de 4:30 às 6:30, eu tenho aula de Contextual Studies. Nome bonito pra algo que deveria significar "metodologias de pesquisa". Afinal, temos que entregar um texto de 4000 palavras com devido embasamento teórico e metodologia de pesquisa (aceita pelo meio acadêmico, devo adicionar) ao final dessa parte do curso, e pra isso, precisamos saber o #comofas, certo?
ERRADO. Porque, hoje, a aula que deveria falar sobre metodologias de pesquisa voltadas para a História da Moda (tema do dia) teve 40 minutos de uma apresentação de uma pesquisadora de História da Moda falando sobre seu mais recente trabalho (relevante, porém cadê a teoria pra EU poder fazer algo igual...) e uma hora disso aqui:
Um tio de boina roxa - que não é a mesma do filmeto - jogando lantejoulas pro alto e recitando seus poemas sobre Londres. UMA. HORA. DISSO.
Em teoria - leia o "teoria" em
itálico,
sublinhado e
grifado, por favor - eu até entendo a (i)lógica da coisa. O cara cria poemas sobre a vida cotidiana de Londres, o que é uma forma de contextualizar o nosso tempo atual para gerações futuras. Ele narra através de poemas sobre "a tia no metrô usando casaco Chanel com cara de triste" ou "o cara andando em Oxford St. com cachecol Hermès". Ligando isso ao fato de que não há muitos textos históricos que relatam o dia-a-dia das pessoas, especialmente no que concerne a moda, até entendi o ponto do professor querer mostrar que nós podemos pegar fontes "inesperadas" para embasar nossa pesquisa que trata de história da moda.
A senhora que se apresentou antes do "poeta da boina" - seu nome é Elizabeth Wilson e, pra quem gosta de história da moda, vale a pena ler um livro dela porque todos a consideram *a* sumidade no tema - explicou como nossas percepções do dia-a-dia de tempos passados (anos 60, por exemplo) são totalmente distorcidas por vários motivos. Principalmente porque nossas "recontagens" - a maioria através de filmes - são feitas de uma forma em que todo mundo é homogêneo e tem/veste/usa coisas daquela época específica. E, pensando nos dias de hoje, dá pra ver como isso é falso. Nem todo mundo tem iPad, nem todo mundo tem o carro do ano, nem todo mundo tem TV em HD. Então, como é que todas as pessoas nos anos 60 usavam mini-saia e eram hippies que gostavam de Beatles?
livro que comprei e, do pouco que li, posso dizer UAU...
Mas... Maaaaaasssssssssss...... gente. Eu fiquei UMA HORA ouvindo um tio de boina roxa recitar poemas e jogar lantejoulas pro alto. Me chame de imbecil, mas o que isso realmente tem a ver com metodologias de pesquisa para história da moda?
Posso ser "careta", "
old school", velha, conservadora, não entender arte, o que for. Mas a impressão que eu tive dessa aula foi que, não importa o lugar do mundo, não importa a universidade em que você esteja, não importam as pessoas que estão ao seu redor, se criarem um
hype de alguma coisa sempre vai ter um monte de gente que vai achar *
o-má-xi-mooooo!!!!!*. Porque né,
de acordo com esse artigo aqui, o tio da boina tem como fãs os escritores britânicos JG Ballard e David Lodge, o crítico literário Terry Eagleton, os poetas David Gascoyne e Kathleen Raine, e gente do naipe de Bjork e Pete Doherty.
Você pode não conhecer os primeiros citados - e vou dizer que, do alto da minha ignorância, eu também não conheço. Agora, os últimos acredito que todo mundo conheça. Bjork, aquela cantora que vestiu um cisne pro Oscar, e Pete Doherty, mais conhecido por ser o ex-namorado da Kate Moss que só vivia drogado e bêbado por aí. Dois BASTIÕES DA SANIDADE né...
E aí eu volto à reflexão do hype. E como a gente, hoje em dia, se deixa levar por tão pouco. Se apareceu na Vogue, tô dentro. É tendência, comprei. Se a (sub-)celebridade X endossou, é porque é bom. Apareceu na TV, virou dogma. Se tá na sala de aula do mestrado, eu anoto e não questiono. Não estou incitando a revolução contra os métodos de ensino, mas eu acho que, cada vez mais, estamos nos acostumando e ensinando às criança não questionar nada. Talvez seja por isso que sejamos essa sociedade apática - não só no Brasil, mas no mundo como um todo. Aceitamos demais o que tentam nos vender como verdadeiro.
Não é só porque vi algo dentro de uma sala de aula de um mestrado considerado um dos melhores do mundo na área que eu vou aceitar e tentar achar razão na sandice. Isso mesmo, san-di-ce. Se fosse uma aula de "formas de expressão/inspiração", eu acharia ótimo. Mas aula de metodologias de pesquisa não é pra isso. É pra "coisa chata", é pra "decoreba". É coisa pra pegar livro e estudar de verdade - a famosa equação
bunda x cadeira x hora que muitos estudantes detestam. E coisa que aparentemente os professores
hype não tão muito a fim de lidar porque é "mainstream" - mas definitivamente vão cobrar de mim quando março chegar e eu tiver que entregar meu trabalho de 4000 palavras.
E isso, meus amigos, além de um desabafo (dos grandes) é um post sobre como o mundo REALMENTE funciona. Todo mundo acha esse tipo de sandice engraçadinha, jogar lantejoula pro alto é divertido, recitar poemas é forma de expressão - em suma, o famoso criar picadeiro pra palhaço sambar... -, mas na hora do vamos ver, o que o mundo vai cobrar de volta é trabalho na mão e dinheiro no bolso. Moda é lindo demais e inspirador, mas o que faz funcionar é o
trabalho sério.
Se essa aula serviu pra alguma coisa, foi pra me mostrar o quanto mais quero trabalhar com o lado do "business" da moda. E o quão felizona eu tô em deixar os tios que recitam poemas enquanto jogam lantejoulas pro alto pros que se amarram num
hype.
P.S.: E me deu uma paz de espírito TÃO maior em saber que a Elizabeth Wilson cursou Ciência Política na London School of Economics... pelo menos eu tô trilhando o mesmo caminho de quem eu realmente admiro.
P.S.2: E, só pra esclarecer, não, não teve nada de teoria sobre metodologias de pesquisa nessa aula. Nem um segundinho.