Aproveito que amanhã começam os desfiles da New York Fashion Week, abrindo a temporada de outono/inverno 2011/12, para escrever sobre um assunto que gosto muito: desfiles. Quando fui cobrir o Fashion Rio para o Fashion Trendsetter me peguei pensando sobre o conceito de um desfile. O que faz tanta gente se deslocar de suas casas para brigar por uma entrada em uma semana de moda, o que está por trás da "exibição" das passarelas? Claro, o mundo da moda está em voga; todos querem ser designers, todos querem "fazer parte do mundinho". Com isso mais e mais pessoas tentam desesperadamente conseguir entrar nos salões e estar o mais próximo da primeira fila o possível.
Mas meu foco não é esse. Aliás, longe de criticar as pessoas por se interessarem mais por moda... muito pelo contrário, gostaria muito que os brasileiros e brasileiras fossem mais exigentes com o que vestem (mais trabalho pra mim!). O que ficou na minha cabeça não foi isso, e sim: o que uma marca quer transmitir quando faz um desfile?
Essa pergunta veio à minha cabeça logo depois da apresentação da TNG. Com direito à aparições de Mayana Maia e Reinaldo Gianechinni, além de mais de uma hora de atraso para ser passado ao vivo no GNT, o desfile mais concorrido do dia (e quiçá do Fashion Rio) foi monótono, previsível, sem destaque algum. E pior: mostrando roupas que poderiam estar em qualquer loja, em qualquer canto do planeta. Algumas pessoas vão me dizer "mas esse não é o intuito de uma coleção; de ter roupas usáveis, vendáveis?". Eu tenho certeza que o intuito de uma coleção é ter peças usáveis e vendáveis. Porém, acredito que um desfile não seja um espaço para mostrar somente peças que estarão nas lojas.
Um evento como este normalmente custa muito caro. São cachês de modelos, maquiadores e cabelereiros somados à contratação de empresas de relações públicas, assessoria de imprensa, DJs, transporte de material e aluguel do espaço a ser utilizado. E isso porque aqui no Brasil não há o costume de se "enfeitar" a passarela ou de contratar músicos para cantar/tocar ao vivo, presentinhos deixados em todos os assentos, press releases com qualidade superior feitos em gráficas caras, convites mirabolantes, lookbooks ou icebergs na passarela (oi Tio Karl!). É uma estrutura gigantesca e com cifras de igual tamanho para míseros 10-15 minutos de show. E olha que teve muita marca no Fashion Rio que apresentou coleções em 6, 7 minutos. Ou seja: são os minutos mais caros da história - se bobear até os minutos do Bill Gates são mais baratos... - e , por isso mesmo, eles devem fazer valer as centenas de milhares de reais/dólares/libras/euros gastos mostrando o que aquela marca representa de verdade.
Já se foi o tempo em que desfiles eram apenas uma forma de mostrar aos compradores como aquelas peças "funcionam" em movimento. Hoje em dia as semanas de moda masculinas, femininas, couture, noivas ou até mesmo infantis não existem somente para mostrar o que se pode encontrar numa loja - ou num ateliê, no caso dos desfiles de couture. Elas estão ali para mostrar "a cara" de uma determinada marca ou a percepção de um designer sobre o "humor" da estação (a famosa -tendência-). Semanas de moda e desfiles hoje nos apresentam diversos conceitos de estética, de beleza.
Quando falo sobre beleza, não me refiro ao corpo das modelos, ou os cabelos e maquiagens apresentados. É evidente que estas partes foram levadas em conta, mas vê-se que elas fazem parte de um produto completo, uma visão que aquela marca "prevê" para o futuro. Poderia ser cética e cínica, e afirmar que são as fabricantes de fios que "empurram" para seu compradores cores e tecidos para a próxima estação. Ou que as empresas de análise de tendência "falam" suas opiniões para o mundo e todos "compram" essas idéias. Porque isso acontece sim, e muito. Mas claramente se vê que existe uma margem para liberdade, inspiração, percepção, intuição.
E pra vocês que ponderam isso, eu cito a célebre cena do filme "O diabo veste Prada" (eu queria postar o vídeo mas, infelizmente, não o achei na web):
"This... stuff? Oh... okay. I see... you think this has nothing to do with you. You go to your closet and you select out — oh, I don't know — that lumpy blue sweater, for instance, because you're trying to tell the world that 'you take yourself too seriously to care about what you put on your back'. But what you don't know is that this sweater is not just blue, it's not turquoise, it's not lapis, it's actually CERULEAN. You're also blithely unaware of the fact that in 2002 Oscar de la Renta did a collection of cerulean gowns. And then I think it was Yves St. Laurent, wasn't it, who showed cerulean military jackets? (I think we need a jacket here). And then cerulean quickly showed up in the collections of eight different designers. Then it filtered down through the department stores and then trickled on down into some tragic Casual Corner where you, no doubt, fished it out of some clearance bin. However, that blue represents millions of dollars and countless jobs and it's sort of comical how you think that you've made a choice that exempts you from the fashion industry when, in fact, you're wearing a sweater that was selected for you by the people in this room. From a pile of stuff".
Como Miranda Priestly disse, a importância de um efeito cascata dentro da indústria existe sim - e ele é muito mais poderoso que a maioria das pessoas (e a pobre Andy) imagina. Afinal, moda é um negócio como qualquer outro, e depende de previsibilidade e retornos. Um segmento que movimenta bilhões, gera milhões de empregos ao redor do mundo e cada vez mais se torna uma indústria de peso não pode se movimentar como o sopro de um vento, ao Deus dará. Por isso desfiles tem sim que apresentar peças que são "usáveis e vendáveis". Designers devem ouvir consultorias de tendência, que por sua vez devem ouvir as fábricas de fios e tecidos.
Mas eles também tem que representar a magia, a ilusão, o inatingível e o inalcançável. Assim como Hollywood produz um escapismo da vida real com suas celebridades perfeitas e filmes sobre amores inesquecíveis, ou quadros impressionistas nos levam a paisagens pitorescas e multicoloridas que parecem mais vindas de um sonho, as semanas de moda nos apresentam uma percepção de como poderíamos ser. Da mesma forma que músicas mexem com o nosso humor, ou grandes esculturas e peças arquitetônicas nos mostram como podemos ser ousados, inovadores e criativos, a moda mexe com algo dentro de cada um de nós, fazendo com que busquemos esse "novo eu".
Há duas semanas atrás um episódio de Gossip Girl mostra Blair falando para Dan uma pérola de sabedoria:
"Fashion is the most powerful art there is. It’s movement, design and architecture all in one. It shows the world who we are and who we’d like to be. Just like your scarf shows the world you’d like to be a used car salesman".
Não é tão impactante quanto o discurso do filme mas faz a contraposição perfeita. Desfiles servem para mostrar a engenhosidade de seus designers, a estética das marcas. Focam na transmissão de um sentimento, uma estória. Provocam emoções fortes, mexem com nossas ambições e percepções. Simplesmente mostram ao mundo uma nova visão de como ele poderia ser. E, enquanto os desfiles de couture devem ser vistos tal qual um Van Gogh preso em um museu, os desfiles de prêt-à-porter são o veículo de comunicação que mostram diversas versões de um "novo eu".
Consciente ou inconscientemente, pessoas compram roupas que determinam como elas querem ser percebidas pela sociedade. O ser humano depende muito de seus sentidos e, por mais que queiramos ser racionais nas nossas decisões, ainda somos dirigidos por emoções. A busca do belo, muito mais evidenciada pela indústria estética, é algo que atormenta homens e mulheres. Todos temos um ideal de beleza; alguns passam toda a vida o perseguindo enquanto outros se deprimem por saber que essa é uma busca infinda. Mas todos nós podemos nos enfeitar, e a indústria da moda está presente para isso. A beleza evidenciada em um belo vestido ou um terno com corte perfeito escreve nas entrelinhas que a pessoa que o veste é mais bela, seja por "osmose" ou porque a peça realmente lhe favorece.
Num momento onde o Brasil começa a olhar mais seriamente para o segmento da moda, é importante ter em mente a direção que a indústria nacional deve tomar. Nosso país ainda não tem estrutura para sustentar desfiles de couture porque, convenhamos, não conseguimos sustentar nem mesmo nossos museus. Ainda é um longo caminho a se trilhar, mas só de termos a população parando para prestar atenção na moda nacional já é um grande passo.
Porém já temos dinheiro, expertise e atenção suficiente (tanto nacional quanto internacional) para mostrarmos semanas de moda de prêt-à-porter com nível internacional. A plataforma já está montada, o que falta é ter uma gama de designers e marcas que saibam aproveitar corretamente este veículo. E utilizar o tempo precioso destes desfiles para a apresentação de coleções baseadas puramente na "comerciabilidade" não é só gastar dinheiro à toa, é perder a atenção de um público que busca avidamente - e cada vez mais - o belo.
Não me entendam mal: muitos já perceberam isso e apresentam nas passarelas coleções de altíssimo nível, que poderiam estar em Londres, Paris ou Milão. Mas, no caso de outras, ainda falta muito "feijão com arroz" para chegar ao nível que a indústria da moda brasileira precisa e merece.
5 comentários - Comente aqui!:
Carol, que saudades de vccccccccc, quanto desencontro, amanhã te envio e-mail!!!Carol fazer esta comparação é tão difícil, eu nunca participei de nenhum evento internacional, quem dera rsrsrrs, no máximo SPFW, mas tem uns 4 anos, acho que a coisa está mudando aos poucos!!!Bjs, adoro vc.Va.
Carol, salvo alguns pontos um pouco exagerados que voce citou,e já pensei assim antes tbem referenta a nossa moda.se não houve já uma moda mais conceitual de alguns designers brasileiro (isto no SPFW)a imprensa internacional não viria e deixaria passar em branco nos seus blogs, editoriais etc. Acho que deve ser mais peneirado e excluir (principalmente os grandes da industria brasileira vide TNG)que fazem feio na passarela (só ver catalogo J.crew , H@M e outros catalogos todos misturados )e cria um copie e cole.fazer coleção comercial é primordial em qualquer lugar do planeta, só não precisa mostrar o óbvio e básico num show destas proporções.
bj grande, sucesso
regina, concordo com você. existem marcas que não tem que desfilar. PONTO. e, se quiserem "desfilar", fazer um auê promocional (que foi literalmente o que a TNG fez), que o façam em um local separado, e não dentro do espaço central do Fashion Rio.
pra mim a InBrands peca pela ganância. não tem que existir uma são paulo fashion week e um fashion rio. não temos TANTA gente boa assim ao ponto de necessitarmos de DUAS fashion weeks, ao passo que os quatro países que ditam a moda mundial tem somente uma. chega até a ser ridículo do ponto de vista de quem vê de fora (a ótica de um estrangeiro).
quer transformar o Fashion Rio em um Miami Fashion, baseado em beachwear? ótimo, dou a maior força e acho estratégico, interessante. agora, ter duas fashion weeks que competem entre si e que nem ao menos são seguidas uma da outra (para que as pessoas que não são do eixo rio-sp, especialmente as internacionais, possam ir) beira o abuso da boa vontade alheia.
como eu disse, ainda é uma área em crescimento, as pessoas AINDA não estão 100% encarando o segmento como uma indústria séria e rentável, e isso acaba transparecendo através desses infortúnios à mídia e ao público.
beijos e obrigada pelo comentário!
caro
Vou esqueceu de dizer que além de rio x são paulo, aqui no rio ainda existe Fashion Rio x Fashion Business.
Carol, eu recebi o vestido Lanvin, já tem um tempo esqueci de te avisar. Valeu, adorei!
bjs
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