Acho que todo mundo se lembra do grande debate do "size zero" de alguns anos atrás. Não sei se ele repercutiu muito no Brasil, mas por aqui foi algo que ficou por semanas em noticiários e jornais.
Pra quem não se lembra, uma breve palavra pra refrescar a memória: no final de 2006 começou a surgir com muita força o assunto da magreza das modelos nos desfiles de moda. Também não colaboraram as mortes de diversas modelos no mesmo período por causa de casos extremos de anorexia e/ou bulimia. O nome "size zero" veio do tamanho norte-americano de roupas que, depois de chegar ao tamanho número 2 (ele corre em números pares), não havia mais para onde ir e acabou virando o "tamanho zero". A ironia é que zero é algo que não existe, assim como o tamanho das modelos.
As medidas de uma pessoa que veste um tamanho zero são 31-22-32 polegadas, o equivalente a 79cm de busto, 56cm de cintura e 81cm de quadril. Uma criança de oito anos e tamanho normal e peso normal também tem 56cm de cintura e um pouco menos de quadril (dada sua forma mais andrógina por ainda não ter desenvolvido seu corpo). Em termos comparativos, o tamanho zero norte-americano "normalmente" equivale ao tamanho 4 do Reino Unido e ao 32 europeu - e brasileiro também. "Normalmente" entre aspas porque, hoje em dia, as variações nas medidas das peças de roupa vendidas pelas marcas dentro de um mesmo país são tão grandes que é impossível saber ao certo.
Com a discussão, o conselho da semana de moda de Madrid proibiu a contratação de modelos com IMC menor que 18.5 e, em seguida, o conselho da semana de moda de Milão seguiu o mesmo caminho. Londres não proibiu, mas aconselhou severamente que modelos demasiadamente magras não fossem contratadas para desfilar. E isso tudo foi há mais de três anos atrás.
Mais recentemente - finais de 2009 - aconteceram os escândalos do Photoshop, onde Demi Moore aparentemente foi "montada" em cima do corpo da modelo Anja Rubik e Ralph Lauren despediu a modelo Filippa Hamilton por ser "muito gorda", além de ter "photoshoppado" a moça para sua campanha num nível extremamente distorcido. Apesar de ambos os eventos terem acontecido nos Estados Unidos, a discussão abalou mais o mundo da moda internacional que a opinião pública local.
Na London Fashion Week de outono/ínverno 2010-11 o designer Mark Fast ousou ao colocar modelos "plus-sized" na passarela, especialmente porque seus desenhos são extremamente colados ao corpo e bem reveladores. E, cá entre nós, as "plus-sized" são modelos que vestem tamanho 40/42 brasileiro e tem 1.80m - só pra manter a perspectiva...
Juntamente com Fast, a V Magazine de janeiro fez a "size issue", onde um editorial com Crystal Renn - a modelo "gordinha" mais famosa do mercado atual - aparece ao lado de Jaquelyn Jablonski, uma das modelos mais magras (e requisitadas) do momento. Nas fotos clicadas por Terry Richardson, Renn e Jablonski vestem as mesmas roupas e fazem as mesmas poses, mostrando que a beleza pode existir em diversos formatos e tamanhos. O que importa mesmo é o tamanho da carteira para poder comprar todas as roupas... hehehe.
A semelhança entre as duas modelos é impressionante - ponto para a V ao escolhê-las. Mostra mais ainda como a diferença está mesmo no corpo (e também como é fácil fazer um Photoshop se o designer for bom...). Só pra ter uma idéia, Jablonski é tamanho 2 norte-americano (o 34 brasileiro) e Renn veste tamanho 10 (equivalente ao 42 brasileiro) e ambas medem 1.75m.
E agora, depois de tudo isso, parece que a discussão de padrões de beleza extremamente magros voltou com toda força essa semana. No final da semana passada a famosa blogueira francesa Garance Doré disse que muitos dos show que colocam modelos "plus-sized" tampouco deveriam existir, já que as modelos "não são saudáveis" e são colocadas "somente para chocar". E essa semana saiu a Vogue France de maio, guest edited pela Penelope Cruz e com um editorial de moda também com Crystal Renn. Nela, Renn aparece apenas com um trench coat vermelho aberto, mostrando todas suas partes íntimas ao público. Indo na direção do vento que sopra, o português Francisco Costa, diretor criativo da Calvin Klein, aparentemente disse que não usará mais modelos de tamanho zero em seus desfiles.
Em meio a isso tudo, algo inesperado reacende de vez o debate sobre as modelos "plus-sized" e as "magras demais": a Lane Bryant, famosa marca de roupas e lingerie para "gordinhas" norte-americana, acusa a FOX e a ABC de não veicularem um comercial de lingerie seu alegando que ele mostra um "decote demasiado". O anúncio seria veiculado em comerciais nos programas American Idol e Dancing with the Stars, respectivamente.
O interessante nisso tudo é que ambas as emissoras veicularam, no mesmo dia, um comercial da Victoria's Secret, onde diversas modelos desfilam em lingeries sensuais.
Escrevi isso tudo para eu dizer: será que precisa de todo esse alvoroço SEMPRE? A Lane Bryant é uma marca para gordinhas, logo sua modelo tem que ser maior e, obviamente, ter um busto mais avantajado.
E mais: não seria tão mais fácil que modelos magras mas não anoréxicas fossem utilizadas? Quem já viu Gisele Bundchen ao vivo sabe muito bem que de "curvas" ela não tem nada. A menina é um vara-pau gigante. A justificativa para utilizar as modelos magras é até boa... Infelizmente elas aparecem melhor nas fotos, o trabalho de maquiadores, figurinistas e fotógrafos é reduzido à metade e as roupas caem melhor nelas, já que não existem "pochetinhas" sobrando pra nenhum lado, nem que elas façam muita força e se contorçam todas. E, mesmo assim, Gisele é considerada uma modelo "com curvas", que não serve para passarelas, a não ser que ela vá de biquini ou com quase tudo à mostra. Gisele hoje em dia de calça e casaco, nem pensar!
O pessoal do mundo da moda poderia realmente começar a dar uma mãozinha para mudar as coisas. Sim, o trabalho é mais fácil se a modelo for tão larga quanto um Deditos, mas será que vale a pena? Pra mim é querer fazer prova já sabendo as respostas de antemão ou jogar um videogame já tendo visto na internet as dicas pra se chegar ao final. Stylists não tem que pensar no que fica melhor no corpo da modelo, o fotógrafo não tem que pensar no jogo de luz, o maquiador não tem que gastar produto no corpo inteiro e esconder pequenas falhas, os editores não precisam ver tantas fotos para escolher as melhores, os designers gráficos não precisam "photoshopar" tanto. E, principalmente, os designers podem criar o que bem entenderem, porque qualquer coisa pode ser colocada num cabo de vassoura e parecer legal. Não tem emoção nem desafio. É pim, pam, pum, acabou.
O corte de gastos pode ser enorme, mas a graça também é cortada. Sei lá, eu gostaria de trabalhar com desafios sempre. Tentar me superar. Vestir alguém de 1.80m, 55 quilos e proporcionalmente "ergonômica" é fácil. Quero ver é fazer uma mulher de 1.65m com 55 quilos e alguns "errinhos de fábrica" se transformar numa diva super sexy só com uma mera troca de roupa. Isso sim que é moda pra mim. O "empowerment" através das roupas, mudar a vida de alguém só por causa de um vestido seu. Fazer com que mulheres se sintam cada vez piores é um desserviço não só à moda, mas à sociedade.